segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O FEST-FISC no FSM, por Hilton P. Silva

O Fórum Social Mundial no Ano Internacional dos Afrodescendentes e a Busca por um Mundo Melhor para Todos

© Prof. Dr. Hilton P. Silva *

Jovens por todas as partes do mundo exigem mudanças. Do Marrocos a Líbia e Egito, da Grécia à França e Inglaterra, as pessoas estão descontentes com as políticas e os políticos que não conseguem dar respostas às sucessivas crises que vêm se abatendo sobre as populações, afetando especialmente os mais pobres e em particular os países periféricos. A falta de empregos, de acesso a serviços básicos de saneamento, saúde e segurança, de transporte, a crescente disparidade econômica, e governos corruptos e opressores geram indignação, revolta, greves e finalmente revoluções que, espera-se, mudarão para melhor o atual cenário em que se encontra a maioria dos países. Esses movimentos não são motivados por radicais religiosos, como querem fazer crer alguns jornais, eles são movimentos de massas, de cidadãos, que desejam democracia e cidadania.

É neste contexto que se realizou, de 6 a 11 de fevereiro em Dacar, capital do Senegal, na chamada “Africa Noir”, a mais recente edição do Fórum Social Mundial (FSM) (http://fsm2011.org/br/fsm-2011). O Fórum aconteceu pela primeira vez em 2001, em Porto Alegre, como reação ao Fórum da Davos, que congrega anualmente os setores econômicos dos países mais ricos, e seu objetivo tem sido o de mostrar que a sociedade civil organizada pode propor e operar mudanças políticas, tanto através da criação de novos modelos de relações econômicas e sócio-ambientais, como por pressão dos grupos mais afetados para que os governos cumpram a vontade dos seus cidadãos. A sociedade civil, através de organizações não-governamentais, grupos de interesse, academia, associações de moradores etc., tem um papel cada vez mais importante para garantir que, num mundo de relações econômicas globalizadas, as necessidades das pessoas e, sobretudo, das vítimas do sistema capitalista, sejam levadas em consideração na formulação das políticas públicas. O FSM, que atrai intelectuais como o economista Samir Amim, a africanista Louise Marie Diop, acadêmico Boaventura de Souza Santos, presidentes como Evo Morales e Hugo Chaves, políticos como o ex-presidente Lula, autoridades como Mamdouh Habashi Vice-Presidente do Fórum Social Africano e centenas de organizações não-governamentais, tem demonstrado ao longo de suas edições que há alternativas concretas e viáveis ao modelo neoliberal. Que é possível aos Estados assegurar a seus cidadãos acesso a serviços básicos e proteção dos direitos humanos fundamentais.

Em uma das atividades pré-FSM, o Fórum Social Mundial da Saúde e da Seguridade Social, foi demonstrado pelos economistas que medidas como a taxação das grandes fortunas e das movimentações financeiras internacionais e a eliminação dos chamados “paraísos fiscais” colocariam à disposição dos governos, para aplicação em agendas sociais, bilhões de dólares que hoje são anualmente apropriados por poucas pessoas. Provou-se que o aumento da escolaridade e do acesso a serviços de saúde evitaria centenas de milhares de mortes de mulheres e meninas todos os anos por gravidez precoce e complicações de parto. E que a proteção de sementes nativas e de métodos tradicionais de produção evitaria que milhões de pessoas passassem fome no mundo. Que é possível desenvolver um sistema de seguridade social universal, garantindo aos trabalhadores qualidade de vida na velhice e que políticas públicas de redistribuição de renda, a inclusão social e a participação democrática nos processos decisórios nacionais são poderosos antídotos para a instabilidade dos mercados financeiros.

Este ano, segundo os organizadores, participaram do FSM cerca de 150 mil pessoas de mais de 120 países, pelo menos cem vezes mais que no Fórum de Davos, em centenas de oficinas, grupos de trabalho e atividades autogestionadas. A maioria dos participantes foram as mulheres, que têm um papel cada vez mais protagonista no ativismo social em níveis local e mundial. Mulheres palestinas, quenianas, liberianas, brasileiras, indianas e de muitas outras nacionalidades enchiam as tendas e salas de debates para aprender sobre experiências bem sucedidas (dentre as quais muitas do Brasil) e denunciar para o mundo situações de abuso, violência, discriminação e desrespeito aos acordos internacionais por parte de seus países.

O Fórum se iniciou no dia 6 com uma grande marcha de quatro quilômetros pelo centro de Dacar, partindo da Central de televisão e rádio e chegando ao campus da Universidade Cheikh Anta Diop. Representantes de movimentos sociais de centenas de ONGs e organizações populares apresentaram ao mundo suas causas e entoaram seus cantos e palavras de ordem. Ali, como em todos os eventos do FSM, mesmo ativistas de causas opostas como muçulmanos e judeus respeitaram a diversidade de opiniões, demonstrando que é possível construir uma nova sociedade, de convivência digna e pacífica. A realização do FSM na África tem especial importância para o Brasil e para mundo, pois traz a atenção para aquele continente, que tem sido tão espoliado ao longo dos últimos séculos, mas que, além de ser o berço da humanidade e ter contribuído para a formação da identidade social de vários países, tem muito a ensinar em termos culturais. Não por coincidência, o ano de 2011 foi declarado pela Assembléia Geral das Nações Unidas (RES 64/169) o “Ano Internacional dos Afrodescendentes”, marcando claramente a necessidade de maior respeito e reconhecimento pelas contribuições que o continente africano e seus cidadãos, mesmo os expatriados pelo tráfico negreiro, tem feito pela sociedade humana.

O FSM 2011 ofereceu também a oportunidade de conhecer outras facetas daquela parte do mundo. Para além das imagens de guerras, fome e miséria, tão comuns nos nossos jornais, foi possível mostrar o dinamismo de alguns países, que crescem a taxas asiáticas, o valor dado ao trabalho e à educação (no Senegal há mais escolas proporcionalmente que no Brasil) e as similaridades culturais entre os negros africanos e os negros da diáspora pelo resto do mundo. A quase total ausência de notícias na grande mídia internacional sobre as atividades do Fórum é um reflexo da discriminação contra a África e os movimentos sociais, e representa mais uma tentativa de ignorar a importância da sociedade civil organizada na construção de um mundo mais justo e solidário. Porém, este foi também um FSM da tecnologia, onde imagens feitas pelos celulares dos senegaleses na rua, por milhares de câmeras digitais dos estrangeiros e também por equipes de imprensa alternativa inundaram as redes de computadores do planeta e as televisões africanas, não apenas para mostrar e falar do Fórum, mas também para participar simultaneamente de diversas atividades realizadas via web, permitindo assim àqueles que não puderam estar presentes pessoalmente, contribuir com os debates e as decisões de Dacar.

O II Festival Internacional do Filme Social (II FEST-FISC), iniciativa paraense de parceria entre a sociedade civil, a produção audiovisual independente e a academia, foi convidado pela coordenação do FSM no Senegal através do Prof. Bubacar Buuba Diop, Coordenador Local do Fórum, para fazer parte da programação cultural oficial “Espace Cinema, Films & Débats”. Uma primeira experiência na área de Antropologia Visual no Pará através de um festival internacional de filmes, na ocasião com filmes originários ou de temática africana, ocorreu durante o FSM em Belém, em janeiro de 2009. Em seguida, realizou-se o I FEST-FISC durante as atividades do Fórum Internacional da Sociedade Civil (FISC), que teve lugar também em Belém, em dezembro de 2009, e que chamou a atenção dos organizadores do FISC pela forma inovadora de trabalhar as questões sociais através do audiovisual, em especial dos filmes\vídeos de curta metragem com produção independente. Em 2011, ainda sob a direção do Prof. Hilton P. Silva, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA, e do professor e produtor cultural Francisco Weyl, o II FEST-FISC levou a África 18 filmes, que foram organizados em três Mostras (http://socialcine.blogspot.com/2011/02/fest-fisc-brasil-senegal.html). A programação em Dacar realizou-se com apoio da Plataforma Africana para Educação e Alfabetização de Adultos (PAALAE) e da organização local do FSM. A primeira exibição do II FEST-FISC ocorreu no dia 8/2 na Maison Du Brésil e contou com os filmes selecionados dentre os recebidos de diversos Estados e Países, a segunda exibição ocorreu no Centro Cultural Blaise Senghor, no dia 9, com a apresentação dos “7 Filmes Capitais” e a terceira teve lugar na École Elementaire Samba Diery Diallo, no dia 10, como parte das atividades paralelas do FSM, na qual alunos e professores senegaleses tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o Brasil e a Amazônia através do trabalho de jovens produtores marajoaras. Ainda como parte das atividades paralelas, houve uma visita a Associação Nacional de Educação de Adultos (ANAFA), ao Centro de Reabilitação Jacques Chirac, para conhecer as atividades de algumas ONGs locais e a um centro popular de produção audiovisual na periferia da cidade, para uma discussão sobre produções independentes, sociedade e cinema popular.

O FSM do Senegal mostrou ao planeta que a África está preparada para o futuro e não pode mais ser ignorada ou relegada a políticas de ajuda humanitária. Os problemas que acometem aquele continente não são radicalmente diferentes dos existentes em outros lugares do mundo e os africanos podem e devem ter autonomia para decidir que caminho desejam trilhar para o seu desenvolvimento. O Brasil não tem “lições a ensinar” à África, no entanto, este país que ainda enfrenta muitas das mesmas mazelas daquele continente, pode compartilhar experiências com os países africanos e ajudar a criar oportunidades de aprender mutuamente a lidar com os desafios sociais, econômicos, ambientais e políticos que se descortinam no século XXI. O FSM representa atualmente a maior e mais importante estratégia da sociedade civil organizada para trocar informações e congregar forças para a construção de um futuro melhor para a Humanidade. Foi no Brasil que se iniciou o Fórum e é bom saber que nós da Amazônia também podemos contribuir para a criação deste novo mundo.

* Prof. Dr. Hilton P. Silva

Universidade Federal do Pará - UFPA

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCH

Programa de Pós-Graduação em Antropologia - PPGA

Laboratório de Antropologia Arthur Napoleão Figueiredo - LAANF

E-mail: hdasilva@ufpa.br

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