quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Nietzsche e Glauber

Primeira conferência-relâmpago
A filosofia é uma linguagem sobre a qual podem se aplicar teorias, mas não se afirmar verdades. A filosofia de Nietzsche, entretanto, é feita a golpes de martelo e com este martelo ele destrói a lógica inimiga da filosofia e transvalora todos os valores: viver é valorar e transvalorar valores, a vida só tem sentido se tem valor.
Interpretar Nietzsche e Glauber, identificando elementos imagético-textuais que confirmem a unidade artístico-filosofal desses dois poetas da síntese significa atravessar uma ponte sobre um abismo de idéias e imagens viscerais de homens que escreveram uma única história mítica: ao assumir a máscara de Dioniso e romper com os paradigmas da filosofia e da arte, produziram obras que revelaram a destruição dos estados de tranqüilidade da alma. Há que interpretá-los, mas não apenas segundo a suas próprias perspectivas.
Nietzsche e Glauber exigem um exercício de desobediência criativa, através do qual o interprete seja capaz de ultrapassar o homem que sucumbiu aos seus próprios medos: o homem que se ultrapassa a si próprio é um homem que tem a violência dentro de si.
Esta violência trágica que eles afirmam é: a violência do homem contra o próprio homem, contra a incapacidade do homem de assumir a sua condição existencial, o seu destino trágico, o seu mito, a sua história. Nietzsche é tanto filosofo quanto artista: metafísico, axiológico e profético.
Metafísico quando, sob a influência dos pré-socráticos Heráclito e Parmênides, do pessimismo (niilista) de Schopenhauer, e do sentimento artístico-musical de Wagner, resgata a Grécia trágica e interpreta a arte como um devir conceptual que demarca a essência de uma vida esteticamente verdadeira.
Axiológico quando abandona a metafísica, critica a religiosidade judaico-cristã e os valores morais da filosofia e da ciência, distingue os espíritos livres dos espíritos subservientes, e afirma a sua vontade de viver, através da vontade de poder e da vontade de verdade.
Sem abandonar a filosofia, revela-se poético e profético, assume um estilo, o aforismático, e apresenta “Zaratustra”, aquele que anuncia o “Super-Homem”.
O “Super-Homem” sintetiza algumas das mais importantes proposições filosóficas de Nietzsche: fiel a terra, o “Super-Homem” é dionisíaco e demasiadamente humano, vive o humano até o seu limite, é artista sem saber o que isso é, segue o seu destino trágico como uma verdade que tem “vontade de verdade” e se afirma na “vontade de poder”.
A vontade de poder é a afirmação da vontade humana de viver. O homem disputa aquilo que ele originalmente já aspira, o poder. Todas as relações humanas assentam-se na disputa do poder. O poder afirma a vontade de poder e legitima a vontade de verdade.
A vontade de verdade é a vontade de poder da verdade contra os valores das verdades moralmente estabelecidas. É a vontade de poder que permite ao homem a posse de sua vontade de verdade.
A filosofia de Nietzsche tem raízes que se solidificam na terra. A fidelidade à terra em Nietzsche é a fidelidade à Dioniso: construir é destruir, em simultâneo. Ser fiel à terra é redimensionar cosmologicamente a vida, aceitá-la trágica, eterna na sua força, finita, que renasce e se repete.
Ao viver esta estrutura circular da existência, o homem é senhor de sua eternidade e não sofre com os valores de vida e morte preconizados pelo cristianismo e amparados no socratismo. O “eterno retorno” não confere infinitude à vida, mas situa a comunhão do homem com a natureza, a terra-mãe, gaia.
Necessariamente, a filosofia de Nietzsche apresenta-se sob a máscara de Dioniso, o deus da arte cósmica, jamais através da máscara de Apolo, o deus da cultura individual.
Pode-se afirmar que Glauber é cosmologicamente irmanado à Nietzsche porque têm a mesma fidelidade à terra de “Zaratustra”. Ligado à este princípio da filosofia nietzschiana, Glauber optou visceralmente pela violência e realizou uma escavação das zonas artísticas trágicas, que ficaram fossilizadas com o advento e a supremacia da cultura apolínea, mas ainda guardam a potencialização de forças espirituais.
A imagética desse poeta-pintor não surge em nenhuma das duas artes consideradas trágicas por Nietzsche (a dança e a música), mas nasce na mais sintética de todas as artes, o cinema, com uma estética que brilha à periferia das tradições e rompe com o comercialismo, apontando para um olhar visionário, que prende o homem pelo seu próprio destino.
Glauber afirmou a força poética do homem trágico e marchou com suas perspectivas existenciais em direção às suas verdades, com coragem para metamorfosear seus espíritos: assim como “Zaratustra”, suportaram o fardo de um camelo no deserto; possuíram a força de um leão para dominar os outros animais; disseram sim - como dizem as crianças, à vida.
© Francisco Weyl (Carpinteiro de Poesia e de Cinema)

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